sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

H. I. V.

Há alguns anos, uns 12 atrás, fui obrigada a presenciar o fim de uma vida.
Talvez, há 12 anos atrás, o cansaço maior fosse por lutar contra os preconceitos, as perguntas, os risinhos, os nojos, os "não coma no meu prato, não beba no meu copo", e tantos outros absurdos causados por uma doença estigmatizada. Uma doença que só "consumia" Cazuzas, Rock Hudsons, Sandras Bréas, o drogadinho do 5° andar, o viadinho da rua do lado.
Era uma época meio sem remédios, sem informações. Uma época em que até quem não tinha fé pedia por milagres. Um milagre que fosse. Pedia por um pouquinho mais de tempo, um pouco mais de amor, um pouco mais de vida normal. Só o que se queria era não ser demitido do trabalho, era poder continuar tomando umas biritas, era poder viajar de avião e encostar sim no cara da poltrona ao lado. Porque não era justo morrer porque viveu como quis, mesmo se esse "como quis" fosse fora dos padrões. Não era justo pagar o preço por ter tido uma outra opção sexual. Era só uma opção sexual. E isso ofendia tanto, mas tanto, que até uma doença só dele ele tinha. Doença de gay.
Era uma época em que só um hospital o aceitava como paciente. Já imaginou estar doente, e só ter um hospital em São Paulo onde você possa se tratar? Numa cidade desse tamanho? Não era justo.
Era uma época em que a família se reuniu no seu último natal vivo e não pode perguntar: você está bem? Você precisa de ajuda? Porque não se perguntava. Porque não podia saber. Porque, simplesmente, esse assunto não podia ser falado na noite de natal. O máximo que se fazia era fechar a janela, no calor de dezembro, pra "ninguém" pegar friagem. E em nenhuma outra noite e em nenhum outro dia esse assunto foi falado.
E ele ia morrendo aos poucos, esperando por um milagre, com uma angústia que consunia os poucos quilos que restavam naquele corpo doído e todo machucado por feridas e picadas de hospital.
Desde então, os natais da família são comemorados sem música. Os barulhos são de estouro de champanhe, de presentes sendo abertos, de crianças correndo e adultos contando piadas, da empregada abrindo e fechando o forno, e de velhos roncando no sofá depois da ceia. Mas música nunca mais se ouviu. Há 12 anos. Porque naquela época, quem escolhia os discos era ele.

1° de dezembro, dia mundial de luta contra a aids.




16 Comments:

At 11:04 PM, Blogger Mônica said...

lindo texto Ju...incrível que acabei de escrever um texto sobre a nossa impotência em relação a finitude da vida.

 
At 12:08 AM, Anonymous Anônimo said...

Nossa! Até chorei.
Parabéns!

 
At 12:11 AM, Anonymous Anônimo said...

Tô arrepiada. Mto lindo mesmo! Me surpreendeu, Ju.

 
At 12:27 AM, Anonymous Anônimo said...

Esse preconceito todo ainda existe, um pouco mais velado, mas não deixou de existir. Parabéns pelo texto.

 
At 11:19 AM, Anonymous Anônimo said...

Puxa...que bonito, hein? Trabalho em um ambulatório de DST/Aids. Quero imprimir seu texto e colocá-lo lá, no nosso mural. Posso?

 
At 11:19 AM, Anonymous Anônimo said...

Comecei a ler meio do nada e no final estava emcionada. Só quem passa por isso sabe descrever a situação.

 
At 10:02 PM, Anonymous Anônimo said...

Eu não qeria viver essa experiencia. deve ser muito duro mesmo.
Boa sorte!
bjs

 
At 11:47 PM, Blogger Ju said...

Lili, volte aqui!! Não vá embora não!
Vc pode sim imprimir o texto, contanto que vc venha me contar depois se gostaram!
Pessoal, escrevi isso sem pretensão nenhuma, mas sabe, que agora lendo, até achei bonito tb...
beijos pra vcs!

 
At 9:28 PM, Anonymous Anônimo said...

lindo texto. mas acredito que o preconceito diminuiu....um pouco. espero que diminua mais, mais, mais....
Carioca.

 
At 10:19 PM, Anonymous Anônimo said...

Oba! Vou colocar lá amanhã mesmo, com o devido crédito! E é claro que te conto da repercussão. Obrigada!
;o)

 
At 11:50 PM, Anonymous Anônimo said...

Lindo texto, lindo texto, lindo texto

Vc conseguiu traduzir em palavras o que as pessoas sentem qdo estão sofrendo preconceitos. Meus parabéns!

 
At 11:58 PM, Anonymous Anônimo said...

E eu que achava que vc só escrevia coisas engraçadas. Eu desejo que alguém nesse hospital da Lili leia e te descubra.

 
At 2:49 PM, Anonymous Anônimo said...

Muito legal Ju. Bonito demais.

 
At 12:59 AM, Anonymous Anônimo said...

Tb vim elogiar.

 
At 1:16 AM, Blogger Lili said...

Oi, Ju!
Teu texto continua lá, no mural do "meu" ambulatório. Engraçado...as pessoas lêem, relêem e ficam quietas. Todos lá conhecemos a dor dessa saudade que você expressa. Mas nas suas palavras ela é tão verdadeira que dói na gente. E o silêncio é a única forma de dizer-se bem alto que se respeita uma dor dessas. Beijinho!

 
At 5:52 AM, Anonymous Anônimo said...

Eu quero compartilhar este testemunho maravilhoso para as pessoas que estão no mesmo problema que eu era antes que eu quis dizer Dr. Ben. Eu estava vivendo com HIV durante os últimos 2 anos, apenas no mês passado, enquanto eu estava navegando na internet sobre esta doença mortal, eu vi um depoimento de alguém chamado Edwards Simone, testemunhando de como ela foi curada de HIV pelo Grande Dr Ben e eu Decidiu também e-mail este homem e dizer-lhe sobre o meu problema e como eu fiz isso, ele me disse para enviar-lhe alguns dos meus dados pessoais que eu fiz e ele me preparou uma parte que eu tomei e, em seguida, ele me disse para esperar por um semana. Depois de uma semana ele me disse para ir para outro teste de HIV, o que eu fiz e para o meu maior suprimir i foi confirmado negativo. Todos os agradecimentos sejam ao Dr. Ben e se você sabe que você está neste mesmo problema ou a outra doença mortal envia-o por correio electrónico agora em (drbenharbalhome@gmail.com) ou contata-o agora no whatsaap: +22893464014. Você pode me pegar no e-mail: soniastevens1995@gmail.com

 

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