segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

A vida como ela é

E ela passou a semana toda repetindo o mantra:
- Vou caber no vestido, vou caber no vestido, vou caber no vestido...
Porque ela tinha (!!!) que caber no vestido e porque ela queria comer peru, bacalhoada, pernil, rabanada e todas essas coisas que o Natal proporciona.
E lá foi ela para a ceia na casa da titia. Magra.
Todos os tios, os primos, as crianças, a tia-vó... todos se entupindo de castanha, nozes, queijo, vinho, coca-cola, cerveja quente.
A tia-avó já ia fazer 88 anos, mas se mantinha lúcida e sempre vinha com o mesmo papo:
- Sem namorado de novo, filhinha?
- Sim, tia.
- Ah, olha minha filha, eu rezo muito por você. Você vai encontrar alguém, esteja certa. Capricorniano casa tarde mesmo....
- Pois, é, tia.
- Hein? Olha filha, você tá muito bonita. Engordou, tá rechonchudinha, com o rosto mais redondinho!
- Eu, tia? Nããão, eu não tô gorda, não. Acho que a senhora está enxergando mal, tia.
- Não, filhinha. Você está linda. Andava muito magra. Não pode, senão vai ficar igual aquelas meninas que morreram outro dia daquela doença de gente que não come. Mulher magra demais é feio, filhinha.
O primo, aquele que acha que trabalhar dá trabalho sentou no sofá e interrompeu a conversa:
- Nossa, você está linda, hein. Fiu, fiu! Esse vestido deve ter sido muito caro! Você ganha quanto por mês?
- Hã? Como? Quanto eu ganho?
- É , você tá com cara de rica. Tá faturando, hein? Hahaha....
( Hahahaha? Você nunca trabalhou e quer saber o valor do meu salário, seu sem graça?)
- Ah, tô super rica, ganhando muito, mas pense num muito assim, muito mesmo! Então, pensou? É quanto eu ganho!
Ela precisava dar uma mentidinha.
A prima que não é prima, porque é irmã da prima, mas não é filha da tia, também se juntou a conversa:
- E sua mã..., ops, ai, desculpe, e o tempo? Tá quente hoje, não?
- A minha mãe? Ela não vem. Ela não é mais casada com meu pai. Já faz tempo, anos. É, tá quente mesmo. Calorzão, dezembro, verão!
- Olha, desculpe, não ia perguntar.
- Sobre minha mãe? Pode perguntar. Ela não morreu, ela só separou do seu tio (que não é seu tio, porque você não é filha da minha tia).
- Vamos, pessoal, a ceia está na mesa! Feliz natal a todos!
- Feliz natal!
E assim, em mais um ano, ela fez tudo igual. Foi a casa da tia passar o natal com o pai, foi sem namorado, conversou com os familiares, brincou com as crianças, bebeu um pouco, porque ninguém é de ferro, e voltou pra casa. Sentou na cama da mamãe, que também tinha acabado de chegar, e ficaram lá, conversando sobre como nada mudou. E nunca vai mudar, porque natal é natal. É tempo de estar com a família.


6 Comments:

At 1:00 AM, Anonymous Anônimo said...

Cada vez que eu venho aqui fico mais impressionado com seus textos.

 
At 10:13 AM, Anonymous Anônimo said...

natal é natal. mesmo que mude, nunca vai mudar. porque nossos natais ficam na nossa memória olfativa, auditiva, afetiva e todas as outras ivas. há 10 anos que levo uma enorme quiche lorraine para a ceia na casa da minha mãe. e há 10 anos ela pergunta: - minha filha, o que vc vai trazer?
este ano, pela primeira vez, eu apenas ri. não respondi. e levei a quiche.

 
At 11:27 AM, Anonymous Anônimo said...

Eu sou da turma do Grinch... O Natal pra mim perdeu todo o sentido, desde que me separei e deixei um filho de ano e meio, dividindo a data com a mãe.
No natal de 2003, meus pais (os dois) estavam no hospital, muito mal. Meu pai sobreviveu. Minha mãe morreu antes do Carnaval.
De resto, vejo muito comércio em tudo e isso me irrita.
Prefiro curtir as boas datas comuns sem calendário. E são tantas, né?
De qualquer forma, Feliz Natal...hehe

 
At 2:30 PM, Blogger Vanessa said...

Familia e tudo igual, so muda de endereco!

 
At 12:08 AM, Anonymous Anônimo said...

Mas vc engordou mesmo? Ou tá de gozação?

 
At 7:14 PM, Blogger Ju said...

Não é possível que o natal de vcs seja igual ao meu! Duvido! O meu chega a ser engraçado de tão absurdo!

 

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